19 de agosto de 2013

No princípio do sereno
quando ainda nem é manhã,
o rio segreda desejos
de conhecer outras curvas,
de carregar outras sonhos
em barcos récem feitos
por mãos sedentas de mar.
Quando o sereno já é quase sol
e há um vislumbre de peixe
na traição do anzol,
o rio percebe-se sonho
e acha a velha curva bonita
como se nunca a tivesse contornado...
Tudo, então, é desejo e paixão líquida
prontos para ser refeitos
nas horas de outas primeiras manhãs.
Tenho desejos de ir
e espreito as possibilidades:
a barra do dia, a renda da noite,
o frio, o riso, o açoite...
Você resolve tudo
quando me acena com ofertas de calor...
Aí, então, o rio é pequeno,
o barco é seu aceno
no pequeno espaço do ancoradouro
ao qual chamo de amor.

29 de julho de 2013


Cada dia tenho menos daquelas coisas
que nunca deveria ter tido
e pertenço-me mais
e mais me compreendo
porque tenho, a cada dia, muito menos.



A rotina permitia-me ter a sensação de pertencer
ora à brancura do trigo recém entregue ao pão,
ora à semente dos temperos confiados a terra.
Agradava-me o pertencimento,
as possibilidades diárias de ir e voltar,
as combinações dispostas sobre a mesa.

O dia brando,
a certeza do sossego como se rede fosse,
favorecia-me o encontro com a escrita.
Talvez por isso ou tão somente por isso,
amasse tanto o pertencer, pois era ele
que me protegia de todo e qualquer frio
que um dia eu pudesse vir a conhecer.


4 de fevereiro de 2013


O calor molhava de suor
o caminho que nos levava ao riacho
Lá, panelas ganhavam brilho perante a mistura
do sabão de coco à areia molhada
Louças voltavam a cor original, tendo realçados
seus mais finos traços e desenhos delicados
Talheres sujeitavam-se ao polimento da bucha vegetal
sob os olhares da natureza silenciosa e contemplativa
Ao final, tudo era ajeitado no interior da gamela
com a mesma doçura de quem desperta a primavera,
tece rendas ou tinge ou quintal.



Lá na roça, onde tudo era verde a colher
eu, sozinha, me bastava.
Tinha o dia nas mãos e pronto o tecido da noite
Bebia da chuva, vestia a primavera,
falava laranjeiras e ouvia maracujás
Tudo era sabor de araçá.
Sombras escondiam o chão, árvores cochilavam,
sementes germinavam leituras e livros floresciam margaridas
O mundo amadurecia lenta e sabiamente 
perante o silêncio das palavras e
dos meus mais frescos sorrisos de cachoeira.


23 de janeiro de 2013


Nunca mais li o rio,
nunca mais soletrei plantações,
nunca mais escrevi jardins.
Estou impregnada de cidades.
Amanhã, verdes chegarão pelo correio
e na primavera da tarde
beberei das entrelinhas do rio.

9 de janeiro de 2013


O menino sonhou que voava
Quando acordou, o chão ainda continha seus pés
Certo do infinito, ele sorriu
e comeu um biscoito feito de vento.