6 de outubro de 2014


Escrevo riachos na ânsia do mar
e quando as ondas batem nas rochas,
eu poemo areias.

Foi assim simples
como alvejar o que já é branco,
como adoçar os que anseiam pelo mel.
Foi assim, assim simples como regar
a terra que se dispõe a rio,
como bordar o tecido vazio de cor,
como temperar o que ainda não possuía sabor.
E como tudo era simples e como tudo desejava,
a vida por si só se aquietou,
como se aquietam nos livros que dormem

as palavras cansadas.




1 de outubro de 2014


Era cedo ainda.
Bastava-me observar as meadas
que ansiavam por colorir o tecido.
Era cedo ainda.
Satisfazia-me o rio enquanto
não tinha desejos plenos de mar.
Era cedo ainda como a neblina,
como a ausência  do sol,
como a linha sem a agulha.
E como era tão cedo,
eu desconhecia as palavras que dormiam
no caminho morno das frases intactas.

Era, era cedo ainda.

16 de setembro de 2014


Cerquei a vida assim como cercam-se as hortas, os quintais, 
as promessas, em sumo, dos laranjais
Mas a vida acercou-se de mim, de tal modo,
que perdi a curva do rio, a viagem do frio, o apito do trem.
Apaguei, como se apagam os textos impensados, 
os bilhetes de amor mal elaborados,
o princípio das cercas e já vejo curvas lá longe,
onde nascem os pés dos montes.

Quando a chuva veio,
quis escrever: sombrinha.
Rabiscar: guarda-chuva.
Mas havia gasto toda a tinta
fazendo os contornos do verão.

Era assim tão antigo quanto  o vento,
como o caminho do rio,
como o princípio do fio.
Era assim tão antigo quanto o verbo
que eu apenas principiava a conjugar
E cheirava a guardado
e embolorava, de fato.

29 de maio de 2014


Só tu

Escondo-me onde nem supões:
nas dobras do teu casaco, 
na casa dos teus botões,
na intenção dos sapatos,
na afinação das canções...
Escondo-me...
Mas, meu desejo é que tu me aches
e me prendas onde eu jamais supunha.
Onde só tu, amorosa e docemente, supões.
Cynara Novaes

5 de abril de 2014


Há um porque para a trama da renda,
para o vazio da fenda
Há sabedoria na doçura e no fel,
na dimensão amorosa do anel
Há que se preze a ausência
e a urgência que solicita a escrita à solidão do papel
Versa a colher para o chá,
reconhecendo a necessidade de amar
Versa a água e o sabão pela brancura do chão
Versa o trigo e a fome na urgente necessidade do pão
Clama a delicadeza pela mão, escondendo-se da acidez do limão
Sussurra o verbo e o querer por que é natural ao que ama buscar ser
Estende-se o varal, alonga-se a sombra, espreguiça-se a vida...
Em algum canto tintas pintam tecidos desejosos de cobrir amores,
revestir de viços cirandas e meninas,
afastando para longe a poeira que esconde a profusão inebriante das cores.