19 de março de 2010

A fragilidade

Canecas de chá
fumegam sobre a mesa...
O tempo lá fora está cinza,
tons de roxos tingem a barra do céu
e meu coração teme a chegada da chuva,
pois, é de papel.

A poesia da imagem

5 de fevereiro de 2010

Alinhavos

Na caixa de agulhas e linhas da minha avó,
havia uma linha que bordava cores na infância
e alinhavava o que de ruim poderia vir.
Eu herdei a caixa, mas,
nunca soube como ela,
costurar o tecido das infâncias
que a mim se apresentaram.

Bordo cores variando nuances, mas,
a linha sempre estoura nos alinhavos...
Venho, dia a dia, aumentando os bordados
para compensar a fragilidade
com que realizo os alinhavos...
Na esperança de que o pior nunca se apresente,
na esperança de que o pior nunca possa vir
intimidado pela variedade de cores,
intimidado pela quantidade de bordados...

O labor

No fogo,
o doce apura o gosto
A fruta serve a polpa
que o açúcar cuida de realçar.
No quintal,
Maria apura o branco
A água lhe serve o meio
que o trabalho cuida de realçar.

A senhora

A elegância da palavra, a sutileza.
A elegância da palavra, a nobreza.
A elegância da palavra, o porte altivo,
o jeito antigo de caminhar.

A palavra é uma senhora
de extrema delicadeza,
uma senhora de modos finos,
de caráter admirável.
Com essa senhora,
sento-me todo dia à mesa,
nas nossas velhas cadeiras
de espaldar alto.
Assim, costuramos e fiamos textos
que o livro da vida a nós confiou.

A poesia da imagem

11 de dezembro de 2009

Efêmero

Eu vou passar,
assim, como passaram
os que vieram antes de mim.
Longe estão meus avós, meus brinquedos de menina,
longe está a casa da minha infância...
Longe estão as costuras, os vestidos de tecido xadrez e florido
Tudo aos poucos se esvaindo...
Os perfumes perdem suas essências,
os papéis amarelam, as fotografias desbotam...
Tudo hoje me parece distante,
tudo parece estar indo,
tudo hoje me parece hoje tão efêmero...

7 de dezembro de 2009

A poesia da imagem

Ele

Tenho sentido um cansaço diferente...
Um cansaço de ter que ser.
Que bom seria ter tão somente
a exaustão do ofício ao sol,
do labor braçal.
Mas, ter que ser, diariamente,
quem por muitas vezes já não conheço
tem produzido em mim um cansaço infindo...

Ter que ser tem-me feito
perder chaves ou usá-las por demais
Esse cansaço, esse cansaço
não respeita o sono,
não reconhece o colchão
Usa por demais os verbos da exatidão
Esse cansaço, esse cansaço...

As paredes parecem cada vez mais distantes,
as cadeiras escondem-se sob as mesas...
Esse cansaço põe-me sempre de pé
Esse cansaço, esse cansaço, esse...

17 de novembro de 2009

Cansando

Sempre caminhei direito,
mas, ultimamente
reconheço em mim
a tendência de virar-me pelo avesso.

A ilusão

A beleza da curva...
O que esconde ou insinua...
Às vezes, dá vontade
de não terminá-la nunca...

4 de novembro de 2009

A costura da vida

Uma velha máquina
costurou minha vida:
saltando casas,
mastigando pontos,
quebrando agulhas,
embolando linhas...

Candura

Vestida de candura
chegou a poesia
E o dia tornou-se doce
e ricamente bem vestido.

Em tantos outros prédios
vários cotidianos engaiolados
vivem alegremente.
Só eu, passarinho,
passo o dia, assim, calado.

Maquiagem

Um céu velho cobre o meu quintal,
estica suas dobras sobre o telhado
e suas andorinhas
Exibe sua costura e remendos
através das sombras que projeta
no jardim da casa do reverendo
Nas madrugadas frias
chora suas mágoas e chagas
por todo o roseiral
Depois, novamente retoca
com sombras mil, o já puído azul anil...

Ofício de viver

Na falta do papel e da pauta
teço versos em minh’alma
Versos de uma elegância quase triste,
versos de uma quase triste elegância.

19 de outubro de 2009

A poesia da imagem






















Frio

Todo inverno é assim:
o frio interno misturando-se ao externo
e a alma a viver e a tremer seus dois invernos.

Bordado


O tecido,
a fazenda,
o pano.
O linho,
o desalinho da linha.

A costura,
a viagem da agulha.
A linha reta, ponte.
A linha em curva, monte...
E o tecido sem igual.

Amor de menino

Minha professora era uma flor
e eu a guardei nas páginas
do meu livro velho.
Professora pequena,
professora, que pena,
o tempo te amarelou

16 de outubro de 2009

Tecido

O tecido chamou-se cetim
O cetim, vestido
O vestido, chamou-se de festa, de domingo
Missas e festas depois,
a moça viu-se fazendo no tecido um bordado,
mais tarde, um remendo.
Chamou-se roupa de casa,
pano de fundo para o avental.
Com o tempo, chamou-se passado.

(1º lugar no concurso SESI/FIEB de poesia do estado da Bahia)

28 de agosto de 2009

Amor ao porto

Meu barquinho saiu para o mar
vela ao vento, vento a levar, verde a água...
Meu barquinho, um pingo no alto mar.
Vento vinha, vento ia...
O meu barquinho, sorridente,
atracou-se com o porto.
Coitadinho... Não sabia nadar.

30 de julho de 2009

Nome

As Rosas,
As Hortências,
Dálias,
Margaridas...
E eu? Que faço eu na primavera
sem ter nome de flor?

Poeminha para Maria

Na sala o gol alto.
Silêncio por todo o quarto.
Lá no fundo, na cozinha,
as panelas viram brilho
e Maria perde o seu.
À essa hora,
parece que todas as mulheres
estão lavando panelas.

25 de maio de 2008

Planetinha

O passarinho na sua gaiola a olhar a vida.
O canto triste, o canto sempre pequeno.
De novo, só um vento amenoa balançar seu planetinha de penas e ais.

Arremate

Com uma linha costurei minha vida a tua
Meu coração, como botão,
fechou rápido a casa
que dava saída para o mundo vão
Ponto por ponto,
bordei flores,
sóis,
girassóis
e bem-te-vis
No dia a dia,
um botão caiu
Você nem viu
Um ponto soltou,
você nem notou,
nem eu
Passado o tempo,
fiz um remendo
como um alento
Meu coração não deu mais botão
e a casa ficou aberta para o mundo vão
Em vão,
novamente remendei,
emendei.
Amor, não recebi,
amor, não dei.
Ponto a ponto,
o amor se descosturou
Fio a fio,
se desprendeu.
Na falta dos botões,
na falta de um arremate.