30 de julho de 2015

Ternura

A primeira vez


que ouviu aquela palavra

foi como se o tempo parasse. Ternura.

Algo lhe remetia a renda aplicada

ao tecido de algodão,

a pronúncia do sim e

ao caramelo recebido,

nos domingos, ao fim da feira.

Ternura.

Necessitou, pois, ter, para saber.

Buscou na relação diária,

no convívio da casa,

na confraternização da sala apertada.

Buscou nas relações esparsas:

nasvisitas do verdureiro,

no moço que lhe entregava as

poucas e tão vazias cartas.

Nada encontrou do que prometia.

Buscou nos sonhos,

mas descobriu não tê-los.

Esqueceu, como se esquecem

canções de ninar,

como se esquece a dor do parto

e o leite no fogão.

Anos depois, ao ler um livro,

saltou por duas vezes aquela palavra

e prosseguiu sem, ao menos, notar a falta.



7 de fevereiro de 2015


Como se fosse verão,
o vestido deixou suas marcas floridas no varal,
passarinhos planejaram ninhos nos mais inusitados pousos
e povoaram de asas as árvores cansadas.
Como se fosse verão,
a estrada ansiou pelo mar e insistiu em se alongar de sais.
Um desejo de floresta nasceu no campo
onde brotos se fizeram ver
e povoaram de sumos e perfumes as terras cansadas.
Como se fosse verão,
quintais ensaiaram conhecer jardins e coisas afins,
portas e janelas se abriram desejosas
de conjugar o verbo amar
e povoaram de versos as pessoas cansadas
Como se fosse possível tudo mudar,
o sol se permitiu convencer e viveu
de namorar outras estações como se fosse eterno,
como se não temesse o inverno,
tão somente por acreditar

que fosse verão...

Carrego cantos de passarinhos nunca ouvidos
Repousa sob a sombra um verso cansado,
mas pronto ao chamado do serviço
Corre por entre as mãos uma seda antiga
desejosa de vestir ensaios de vida
Está pronto o alimento da palavra. Ele é recheado de brisa
Os olhos possuem asas e desconhecem gaiolas
Nas tardes, quando tudo é partida, os pés têm sede de verdes
e desbrava os desafios da distância em busca da umidade das florestas
O rio cuida e acaricia seu leito. Nada irá magoar a terra...
Possuo a cana de açúcar nas sílabas e afago o mar com o sal
Nada irá desrespeitar a água, nada irá represar o curso do que é natural
Principia a tarde e com ela mormaços que anunciam um vendaval
Costuro flores ao tecido cotidiano para não dar adeus a primavera
Há perfumes elaborados com a seiva do querer.
Os lençóis estão impregnados de leituras
que correm para os vizinhos quando da partilha humanitária dos varais
Tenho o cansaço dos nômades e a paz dos monges
Ouço chamados do campo e semeio plantações.
Colho o trigo, mas não tenho o desejo do pão,
encanta-me, tão somente, a possibilidade de vê-lo poema
Da varanda repleta de vontades desenho pontes com a madeira do passado e vislumbro alfabetos de futuro
Tenho aventais de chuva e cortinas de rendas que acenam para a rua
Na infância da noite adormeço desilusões e rego pequenas promessas de sorrisos.
São brotos, minúsculas sementes que ensaiam felicidades
Na parede da casa as idades se perdem e a essência ganha vida.
Vou tecendo o amor com meadas de delicadezas.
É cedo ainda.
Há um cheiro de sabão e limpeza. A vida lavou a roupa.
Desligo a música do dia e busco uma colcha de sonhos
Tudo é quietude e paz.

E no dicionário vejo sucumbir a palavra JAMAIS .

6 de outubro de 2014


Escrevo riachos na ânsia do mar
e quando as ondas batem nas rochas,
eu poemo areias.

Foi assim simples
como alvejar o que já é branco,
como adoçar os que anseiam pelo mel.
Foi assim, assim simples como regar
a terra que se dispõe a rio,
como bordar o tecido vazio de cor,
como temperar o que ainda não possuía sabor.
E como tudo era simples e como tudo desejava,
a vida por si só se aquietou,
como se aquietam nos livros que dormem

as palavras cansadas.




1 de outubro de 2014


Era cedo ainda.
Bastava-me observar as meadas
que ansiavam por colorir o tecido.
Era cedo ainda.
Satisfazia-me o rio enquanto
não tinha desejos plenos de mar.
Era cedo ainda como a neblina,
como a ausência  do sol,
como a linha sem a agulha.
E como era tão cedo,
eu desconhecia as palavras que dormiam
no caminho morno das frases intactas.

Era, era cedo ainda.

16 de setembro de 2014


Cerquei a vida assim como cercam-se as hortas, os quintais, 
as promessas, em sumo, dos laranjais
Mas a vida acercou-se de mim, de tal modo,
que perdi a curva do rio, a viagem do frio, o apito do trem.
Apaguei, como se apagam os textos impensados, 
os bilhetes de amor mal elaborados,
o princípio das cercas e já vejo curvas lá longe,
onde nascem os pés dos montes.

Quando a chuva veio,
quis escrever: sombrinha.
Rabiscar: guarda-chuva.
Mas havia gasto toda a tinta
fazendo os contornos do verão.

Era assim tão antigo quanto  o vento,
como o caminho do rio,
como o princípio do fio.
Era assim tão antigo quanto o verbo
que eu apenas principiava a conjugar
E cheirava a guardado
e embolorava, de fato.

29 de maio de 2014


Só tu

Escondo-me onde nem supões:
nas dobras do teu casaco, 
na casa dos teus botões,
na intenção dos sapatos,
na afinação das canções...
Escondo-me...
Mas, meu desejo é que tu me aches
e me prendas onde eu jamais supunha.
Onde só tu, amorosa e docemente, supões.
Cynara Novaes

5 de abril de 2014


Há um porque para a trama da renda,
para o vazio da fenda
Há sabedoria na doçura e no fel,
na dimensão amorosa do anel
Há que se preze a ausência
e a urgência que solicita a escrita à solidão do papel
Versa a colher para o chá,
reconhecendo a necessidade de amar
Versa a água e o sabão pela brancura do chão
Versa o trigo e a fome na urgente necessidade do pão
Clama a delicadeza pela mão, escondendo-se da acidez do limão
Sussurra o verbo e o querer por que é natural ao que ama buscar ser
Estende-se o varal, alonga-se a sombra, espreguiça-se a vida...
Em algum canto tintas pintam tecidos desejosos de cobrir amores,
revestir de viços cirandas e meninas,
afastando para longe a poeira que esconde a profusão inebriante das cores.





19 de agosto de 2013

No princípio do sereno
quando ainda nem é manhã,
o rio segreda desejos
de conhecer outras curvas,
de carregar outras sonhos
em barcos récem feitos
por mãos sedentas de mar.
Quando o sereno já é quase sol
e há um vislumbre de peixe
na traição do anzol,
o rio percebe-se sonho
e acha a velha curva bonita
como se nunca a tivesse contornado...
Tudo, então, é desejo e paixão líquida
prontos para ser refeitos
nas horas de outas primeiras manhãs.
Tenho desejos de ir
e espreito as possibilidades:
a barra do dia, a renda da noite,
o frio, o riso, o açoite...
Você resolve tudo
quando me acena com ofertas de calor...
Aí, então, o rio é pequeno,
o barco é seu aceno
no pequeno espaço do ancoradouro
ao qual chamo de amor.

29 de julho de 2013


Cada dia tenho menos daquelas coisas
que nunca deveria ter tido
e pertenço-me mais
e mais me compreendo
porque tenho, a cada dia, muito menos.



A rotina permitia-me ter a sensação de pertencer
ora à brancura do trigo recém entregue ao pão,
ora à semente dos temperos confiados a terra.
Agradava-me o pertencimento,
as possibilidades diárias de ir e voltar,
as combinações dispostas sobre a mesa.

O dia brando,
a certeza do sossego como se rede fosse,
favorecia-me o encontro com a escrita.
Talvez por isso ou tão somente por isso,
amasse tanto o pertencer, pois era ele
que me protegia de todo e qualquer frio
que um dia eu pudesse vir a conhecer.