25 de julho de 2007

Para ir ao mar

Era uma escola pública.
Pequena, com apenas quatro salas, teto de telha colonial sem forro, paredes pintadas de branco, janelas azuis, um pátio interno e uma área de terra batida ao fundo, mas aquela escola pequenina exalava vida e alegria.
Era lá que a minha mãe dava aulas. Seus alunos, meninos pobres vindos dos bairros mais simples daquela cidade do interior.
Eu era uma das alunas da professora da terceira série e também sua filha.
Lembro-me que andávamos 2,5 Km do sítio que morávamos até a escola. Não havia ônibus que passasse por ali naquele horário. A caminhada era longa e exaustiva para uma menininha de apenas oito anos. Quando o dia estava quente, chegávamos a escola com as bochechas vermelhas e a roupa já suada. Se o tempo era de chuvas era certo chegarmos encharcadas, mesmo com a proteção da linda sombrinha de flores rosas que vovó tinha me dado no natal. Os caminhões passavam na estrada de barro vermelho dando banho em nós.
Minha mãe, com chuva ou sol, ia contando estórias para nos distrair, mostrando os girinos no riacho à beira da estrada e muitas vezes ia cantando músicas folclóricas ou Ave Marias como as de Gounod ou Schubert que ela havia aprendido no tempo de juventude no coral da professora Zélia. Com a presença musical de mamãe, parecia que a distância era vencida com mais rapidez e assim, logo avistávamos o portão da escola.
A aula da minha mãe-professora era uma beleza! Ela gostava do que fazia e o fazia muito bem. Ensinava o português, a matemática, a história, a geografia... e ia além aconselhando, incentivando, ouvindo as estórias de cada um com respeito e carinho.
Esse seu modo de ser contagiava todos nós que víamos naquela professora de terceira série uma santa, uma fada, uma rainha.
Na hora do recreio o sino batia forte na mão da diretora e lá íamos nós como aves de arribação fazer vôos rasteiros sobre a área de terra batida. As meninas a jogar amarelinha, pular corda, brincar de passar anel. Os meninos, sempre afastados de nós, as quais achavam umas “molóides”, brincavam de pique-bandeira e polícia e ladrão.
Não posso deixar de falar da merenda. Ah! A merenda! Eu adorava quando era Ki-suco de morango com sonho. Quantas vezes pudesse, eu entrava de novo na fila e repetia. Dona Maria, a merendeira, me olhava e sorria .
A minha barriga cheinha de sonhos sempre dormia antes de mim.
Entre as crianças da escola havia algo em comum: todas (com exceção da minha irmã e de mim) iam para a aula com sandálias chamadas “havaianas”. A maioria não tinha sapatos ou os famosos congas ( o tênis do meu tempo) que eu e a minha irmã usávamos.
Eu sonhava em poder um dia também ir de sandálias “havaianas” arrastando-as despretenciosa e relaxadamente como faziam os meus colegas.
Na hora do hino nacional, o que sempre acontecia antes de começar a aula eu me perdia a olhar aquele mar de sandálias azuis, amarelas, brancas, verdes, muitas com correias amarradas com arame ou barbante. Tinham também aquelas bicolores, que deviam ser resultado de uma palmilha de um irmão com as tiras de alguma outra sandália já não de serventia do pai, da mãe ou até de um primo.
Eu fechava os olhos e via-me ora com uma cor, ora com outra. Meus dedos livres, exibidos. Os pés sujos da poeira da rua, as unhas olhando para todo lado curiosas e faceiras.
Ah! Se mamãe soubesse que eu preferia as sandálias, quando tinha feito tanto esforço para comprar meu conga, o único par vermelho da loja. Olhava para ela e sentia pena. Não tinha coragem de tirar dela aquela ilusão.
E assim, sonhando com as sandálias passei quase toda a terceira série, até que em uma tarde de segunda-feira do mês de setembro, na hora de vestir a farda mamãe olhou-me por um longo tempo e por fim mandou-me buscar as sandálias “havaianas” que eu usava em casa. Sem entender muito bem, corri para pegá-las. Mamãe então, abaixou-se e com a delicadeza tão natural dela, calçou meus pés. Depois, abraçou-me e disse: - “O conga precisa descansar das caminhadas”. Sem dizer mais nada pegou-me pela mão e saímos em direção da estrada.
Tudo passou rápido: a estrada, o riacho com girinos...
Mamãe nem precisou cantar naquele dia, porque eu mesma me encarreguei disso e quando cheguei a escola entrei gloriosa.
Na hora do hino, eu estava lá no meio do mar de sandálias coloridas. Mamãe lá da frente piscou para mim. Meu Deus! – pensei. Ela sabia o tempo todo!
Pisquei também para ela.
Lá de fora da escola, quem passasse ouviria a voz de uma criança que cantava mais alto que todas as outras. Quem observasse o recreio, veria uma menininha de oito anos pulando, saltando e correndo sem parar.
Eu era igual a todas as outras crianças simples e humildes...
E para que eu fosse feliz bastava um par de sandálias “havaianas” para ir ao mar...
Cynara Novaes

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